Ele também se chama Abe, mas não é o primeiro-ministro japonês, (Shinzo) Abe. Nem parente dele. "O kanji é diferente", explica. A língua japonesa tem dessas coisas. Às vezes, as palavras são iguais, mas se os ideogramas são diferentes, o significado certamente é diferente. Deixa pra lá. O que importa é que eu consegui entrevistar o Abe. Quero dizer, o Motoki Abe.
O Motoki não é artista, político, modelo, nada disso. Daí o meu interesse em entrevistá-lo. Eu queria mostrar como é a vida de um cidadão comum no Japão. Confesso que fiquei surpresa com algumas respostas dele. Já tinha percebido que o Motoki é uma pessoa muito bacana, mas pensei que fosse machista como todos dizem que o japoneses são. Me enganei!
Somos amigos porque frequentamos o mesmo bar e porque ele fala espanhol e ficou amigo de uma amiga peruana. Mas sempre que a gente se encontra, tentamos conversar em japonês. Foi idéia minha. Tenho medo do meu "portunhol" estragar o espanhol dele.
E a entrevista, acreditem, foi em japonês. Ok. Confesso que foi preciso recorrer ao espanhol ou inglês algumas vezes, mas juro que foram pouquíssimas vezes. A gente conversou no bar de sempre. Eu tomando o meu umeshu (licor de ameixa) e ele tomando a cervejinha (Corona) e o Bloody Mary dele. O Motoki, muito simpático, defendeu muito bem a imagem dos japoneses. Confiram.
Pera aí. Não é beeem uma entrevista. É só um perfilzinho (que pelo tanto de texto, virou um perfilzão). Não se esqueçam de que o meu "domínio" de japonês ainda é básico. Muito básico! Se quiserem perguntar mais coisas para o Motoki, tudo bem! Escrevam aqui e eu peço para ele responder ; )
Quem é ele?
Motoki Abe, 37 anos. Casado há dez anos com uma japonesa dois anos mais jovem. Tem duas filhas, de 8 e 6 anos. A mais velha se chama Maria. Isso mesmo: MA-RI-A! A caçula se chama Reina, que em espanhol signifca rainha. Ah, a esposa é programadora de computadores.
Os amigos do trabalho o chamam de Abe-san (senhor Abe). Os outros amigos o chamam de Abe. A família o chama de Motoki. Os (poucos) amigos estrangeiros o chamam de Motokito. Esse "ito" aí é de "pequenito" mesmo, mas ele tem mais de 1,80m de altura.
Trabalho
Fez faculdade de Economia. Virou corretor de imóveis e, há dois anos, abriu uma imobiliária. A empresa dele fica perto da estação de Tokyo - zona nobre da cidade - e só aluga imóveis comerciais. Perguntei até quando ele pretende trabalhar. "Até morrer". Fiz cara de espanto. "Eu adoro o meu trabalho", justificou.
Transporte
O Motoki tem carro, mas é a esposa quem usa. Ele anda 20 minutos de bicicleta (sim, de terno. Aqui é comum) até a estação mais próxima da casa dele, mais 40 minutos de trem e outros 10 minutos a pé até chegar ao escritório. De segunda à sexta-feira. A jornada de trabalho é de mais ou menos 12 horas por dia: de 9h da manhã às 9h da noite.
O que você faz para passar o tempo, dentro do trem? Lê mangá? Ouve música com o iPod? Ele riu: "Não, não. Eu leio livros. Mangá eu lia quando era mais jovem".
Casa
Ele nasceu e trabalha na capital japonesa, mas mora em Chiba, cidade nos arredores de Tokyo. Mora em casa própria. Não perguntei se é casa mesmo ou apartamento, mas deu pra perceber que é grande (para o padrão japonês): 100 m2, divididos em 3 quartos, sala, copa e cozinha. Deve ter garagem...
Comida
Ele adora natoo, a comida mais odiada pela maioria dos estrangeiros que vivem aqui. É realmente um prato nada atraente: uma espécie de soja fermentada, que "baba" mais que quiabo. Parece comida estragada, mas dizem que é uma beleza para a saúde. E para a pele!
O Motoki come natoo todos os dias, exceto nos finais de semana. Ele explicou que a esposa não tem tempo de cozinhar de segunda à sexta, então ele se vira com a marmita de natoo, arroz e iogurte. Em compensação, nos finais de semana, eles cozinham juntos e capricham no cardápio: peixe, salada, massa, carne, ramen (uma sopa de macarrão, carne e legumes, tradicional na China e aqui também) e por aí vai.
Férias e final de semana
Ele descansa três vezes por ano: 10 dias na primavera (no famoso feriado chamado Golden Week), 1 semana no verão e 2 semanas no inverno (final de ano). Fora os feriados, que não são poucos. Nesses dias, ele vai à praia, a Tokyo Disneyland (que na verdade, fica em Chiba), ao onsen (fonte de águas termais, que os japoneses adoram) e já viajou para Guam, uma ilha do Pacífico muito frequentada pelos japoneses.
Nos finais de semana, ele faz a faxina da casa. Sim! Ele disse que a esposa não gosta muito de fazer faxina e ele sempre ajuda! Depois, ele faz compras e vai passear com as filhas no parque perto de casa (os parques daqui não são parquinhos não. É uma delícia passear no parque).
Perguntei: e você não sai com a sua esposa? "Só os dois? Hum... a gente vai ao museu..." Pelo visto, os passeios são sempre em família. E a cervejinha, sempre com os amigos. Sem a esposa. Mas ele contou que a esposa também toma a cervejinha dela com os amigos. Sem ele. Outro dia, ele me disse que casamento sem confiança não dá certo. Ele confia na esposa e vice-versa. "Legal", pensei.
Viagens
Depois do casamento, ele só viajou para os Estados Unidos (de lua-de-mel) e para Guam, a tal ilha que falei. Mas ele já esteve na Espanha - aliás, ele morou lá durante 1 ano - Alemanha, Portugal, Bélgica, Holanda, China, Coréia, Tailândia, Cingapura e conhece o Japão de ponta a ponta. Todas as viagens internacionais foram a passeio. Já as viagens domésticas foram a trabalho.
Ah, além de falar espanhol, ele estudou um ano de francês ("mas já esqueci tudo") e inglês, na escola.
Vício de japonês
Você vai ao pachinko (casa de jogos) e ao sunakku (bar só para homens, onde só trabalham mulheres)? "Não", respondeu, seguro. Depois, confessou: "ia ao sunakku com o meu pai, quando eu era universitário".
Mas ao bar (esse!) você vem sempre... "Antes, três ou quatro vezes por semana. Agora, uma ou duas." Por quê? "Porque tenho que ir à academia. Não quero ficar gordo."
Estrangeiros
Se suas filhas se casarem com estrangeiros... "Não tem problema. Se for um marido inteligente e boa pessoa, não importa se é estrangeiro". "Aliás", emendou, "elas têm nomes fáceis para os estrangeiros pronunciarem. Quero que minhas filhas conheçam outros países quando estiverem na faculdade. Elas precisam ver que o mundo não tem só japoneses".
Última pergunta
Você é feliz? "Sempre!".